Três e meia da tarde,
após aquele curto sono decorrido a refeição pesada de mais um dia, olhos
embaçados ao reflexo turvo da límpida vidraça de sua janela, se levanta, e para
ter clareza, lava a face e os olhos. O casaco foi posto, não dos mais pesados para
os frios dias que se aproximavam, mas suficientemente quente para estar
confortável à forte serração e a ventania que as ruas lhe guardavam. Se fez
caminhar pela arborizada avenida, céu cinzento, ao longe ara perceptível a fina
nuvem e o chuvisco derradeiro. Rotina definiria esses acontecimentos que não
apenas seriam a representação de meses, mas de uma época pessoal, que antes se
arrastava pelos anos e agora já era pouco demais, e queria mais, sempre mais.
O burburinho daqueles
joviais anos de escola havia passado, vestibulares feitos, e vagas já devidamente
ocupadas, não pensava mais nos trabalhos feitos com desdém que de certo lhe
ajudaram, nem nas belas garotas de sua sala, mas nas que viriam a ser suas
colegas durante os próximos anos, em sua nova cidade, e mais que isso, nos
amores que lhe esperavam e do quão diferente seria a vida acadêmica do que até
então conhecera. Também lhe viria a tristeza na mente, essa da separação, seja dos
amigos que tomaram rumos diversos, e de outros que apesar da distância sabia
que eram para eternidade, seja dos familiares e da facilidade com que eles
tornavam sua vida, no fim era até consciente. Aquelas arvores secas de outono,
desfolhadas e aqueles cortantes ventos lhe faziam pensar no quão verde seria
seu futuro.
Se mudou, e para lá
onde foi, estudou, festou, namorou, e tantos outros “ous” que sabemos que
existem, a euforia durou meses, e ao findar de sua cólera, a grama já não
parecia tão vistosa, já vislumbrava outros sabores e odores, sem nem imaginar
que a língua e o nariz sempre seriam os mesmos. Viveu a seu modo durante os
anos que se seguiram e almejava cada vez mais rever aqueles que havia deixado
para trás, e mais que isso, caminhar e se deslumbrar mais uma vez com a
tristeza melancólica e nostálgica das dramáticas ruas de sua cidade.
Certo dia voltou onde
tudo se iniciara, diferente de quando saiu, era primavera, e as flores dos
canteiros com as frondosas arvores de um verde claro sedutor faziam contraste
com o inspirador azul anil de seu céu, mas não só por isso se fez estranhar às
diferenças que logo notaria. A cidade apesar de igual já não era a mesma, as
pessoas a quem a ela associava, nem de longe eram aquelas que um dia conheceu.
Talvez em algum momento da sua lúdica visão imaginou que com sua ausência faria
o tempo parar para aqueles, mas sua verdade foi despedaçada quando naquele
mesmo reflexo da vidraça da janela que a tanto tempo se viu refletido, embaçado
e impreciso, o elucidaria do fato de nem ele próprio ser mais o mesmo.
Talvez os sonhos de
sucesso, juventude e eternidade, nos ceguem para o fato de sermos tão humanos
quanto quaisquer outros, e mais que isso, esconde de nossos corações que é
impossível reviver aquilo que já passou, sejam momentos, sejam sentimentos, sejam
lembranças, sejam lugares. Assim como as
cidades se destroem e reconstroem a cada dia de sua existência, nunca igual, um
organismo vivo de fato, somos todos nós as pessoas, que a cada toque a cada
segundo mudamos, seja por dentro, seja por fora.
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